BOLSONARO vs LULA-HADDAD: OPÇÃO PELA CATÁSTROFE

– Sobre Eleições (7) –

Realizando os piores prognósticos, o segundo turno presidencial de 2018 se faz entre os dois candidatos extremistas, representantes do que há de mais retrógrado nas forças políticas brasileiras. E, como se não bastasse nos trazerem de volta aos anos 1960 e seus discursos de Guerra Fria, ainda há aqueles que nos querem convencer de que podemos retroceder aos anos 1930 e seus totalitarismos de Entreguerras. Numa campanha movida pela negação – verdadeira anticampanha, portanto – e baseada nas redes sociais e suas falsas notícias e polêmicas, a democracia já saiu derrotada. Cabe refletir sobre se há ou não um mal menor a escolher nessa lógica cataclísmica.

Comecemos pelo candidato petista, projeção do caudilho Lula da Silva, e pelo grupo que o cerca. Cumprido (por pouco) o desafio de chegar ao segundo turno, Haddad não se apresenta capaz de reverter o favoritismo de Bolsonaro – e isso a despeito da costumeira campanha de ódio de seu partido, mais uma vez encampada por setores das classes médias politizadas, e do apelo à histeria de massas quanto à suposta ameaça fascista representada pelo ex-capitão do Exército. Uma vez que a essência do discurso petista tem sido essa alegada luta contra o fascismo, cabe analisar cuidadosamente o argumento. Nem entremos no mérito sobre se os eleitores de esquerda que saem às ruas e entram em confronto nas redes sociais efetivamente são capazes de definir o significado do fascismo… Estão apenas repetindo o discurso produzido para eles; a título de curiosidade, vale uma olhada no esquema abaixo (rara contribuição positiva surgida nas redes sociais nessas semanas) e uma avaliação honesta de quantos pontos se aplicam a Bolsonaro e aos seus radicais conservadores – e quantos se aplicam a Lula-Haddad e aos petistas…

Mais do que um termo banalizado pela retórica oportunista, a acusação de fascismo que se aplica ao adversário reproduz uma lógica antidemocrática que caracteriza as esquerdas nos países atrasados – ao demonizar as noções de direita e de conservadorismo (tão legítimas quanto a própria esquerda no espectro político), reduzindo-as à sua versão totalitária, esses grupos demonstram sua concepção extremista da realidade social e política. Longe de serem democratas, os petistas (e as esquerdas a eles associadas) concebem a participação nesse sistema apenas como estratégia para a captura do Estado – numa incompreensível devoção a Gramsci, o fracassado líder e pensador comunista italiano cujo primarismo tático e ideológico contribuiu decisivamente para a ascensão do fascismo (o verdadeiro, de Mussolini, logo emulado por Hitler). Depois de duas décadas repetindo à exaustão o mantra do nós contra eles, finalmente encontraram um eles efetivo e de pesadelo (nada semelhante aos pobres tucanos, sempre incapazes de responder à altura); são tão responsáveis pelo surgimento dessa onda conservadora quanto pelo colapso econômico dos últimos anos – ainda que se recusem a admitir ambos. Aliás, reconhecer responsabilidades parece tarefa impossível para o Partido dos Trabalhadores; essa trágica combinação de prepotência e incompetência, fantasia e ideologia, é a pedra de moinho atada ao pescoço de seu candidato-marionete.

Mas é igualmente inacreditável fazer a defesa racional da candidatura de Bolsonaro. Ainda que não seja fascista, são inúmeros os argumentos que deveriam desqualificá-lo para a Presidência. Não apenas é limitado em termos de formação e experiência (assim como Lula da Silva, aliás, em 2002, e Dilma Rousseff, em 2010) e caracterizado por inegável truculência autoritária; é certamente preconceituoso e oportunista, aproveitando-se da maré montante conservadora e antipetista para emplacar uma vitória que já parece previsível. Misto de Collor e Jânio, é um Enéas sem as ideias (e sem a oratória). Cada declaração – dele mesmo ou de seus aliados mais próximos – choca até mesmo seus eleitores não muito convictos. Seu desprezo pelas instituições (contido durante a campanha) é tão ameaçador quanto os esquemas de corrupção e cooptação da era petista; sua visão nacionalista-estatista (igualmente atenuada pela ligação com o ultraliberal Paulo Guedes) não difere em muito da cartilha retrógrada adotada por Dilma Rousseff, por exemplo. E o fator de violência que sua candidatura incorporou ao cenário político e social é concreto; ao contrário das esquerdas, cuja violência fica sempre no plano das palavras e na patrulha ideológica sobre os discordantes, a agressividade dessa direita é física (mesmo que várias das recentes denúncias de agressão sejam falsas, como se tem apurado). Ilusão irresponsável imaginar que esses brutamontes retornem às suas cavernas com uma derrota de Bolsonaro; têm vida própria, estarão presentes no convívio social por muito tempo.

Diante dessa hecatombe da razão, a manipulação petista não se limita ao terrorismo psicológico da ameaça fascista; seus ativistas infernizam a vida daqueles que se recusam a escolher entre as duas sombras. O voto nulo/branco (ou a abstenção) são igualmente demonizados como “omissão”, naquela curiosa perspectiva petista de democracia em que só é democrático concordar com eles e submeter-se à sua iluminada liderança. E, se todo esse discurso sobre a defesa da democracia tivesse algo de verdadeiro, a solução estaria ao alcance de um gesto de grandeza – bastaria que Haddad renunciasse à candidatura, abrindo caminho para o terceiro colocado (Ciro Gomes) disputar o segundo turno. Sem a rejeição associada ao petismo (e apesar de suas óbvias limitações), Ciro teria imensas possibilidades de vitória sobre Bolsonaro. Esse desafio, lançado publicamente por Kátia Abreu (vice de Ciro) logo depois do primeiro turno, foi solenemente ignorado, claro. Por detrás do discurso do medo e do ódio, só existe mesmo a preocupação em recuperar o controle do poder.

Assim como o conceito de fascismo, o de democracia também tem se prestado a todo tipo de flexibilização. Ser democrático significa respeitar o dissenso, submeter-se os limites impostos pelas instituições, reconhecer os resultados das eleições como expressão da vontade dos cidadãos. Também significa a humildade de aceitar aqueles que se abstém de participar da insanidade de escolher entre pretensões totalitárias. Cada qual à sua maneira, nenhum dos dois (tampouco seus entusiastas) atende a esses requisitos – o que nos garante tempos ainda mais sombrios depois deste domingo. Caberá aos brasileiros com suficiente estômago decidir se querem ser governados da cadeia – ou do quartel; o resultado nos dirá quantos de nós mugem à esquerda e à direita. Aos que se privarem dessa escolha, restará lamentar a companhia do rebanho.

Leandro Gonsales Ciccone
25.10.2018

LULA-HADDAD vs BOLSONARO: APOCALIPSES

– Sobre Eleições (6) –

Contrariando as expectativas (e esperanças) de muitos, os petistas estão conseguindo emplacar mais uma candidatura presidencial competitiva – a despeito do fracasso do governo Dilma Rousseff, da pior recessão da história brasileira (uma legítima herança maldita, no seu jargão) e da condenação e prisão do caudilho Lula da Silva (juntamente com a maior parte das lideranças históricas do partido, protagonistas na maior organização criminosa que já saqueou o Estado). Como explicar esse trágico fenômeno? E quais seriam as consequências de uma nova vitória lulo-petista?

Em termos práticos, os problemas já começam pelo reconhecimento (ou não) desse fracasso. Malandramente, os petistas silenciam sobre o desastroso governo de Dilma Rousseff, e focam numa retomada da “era de ouro” (no discurso de Haddad, trazer o Brasil de Lula de volta). Ora, claro está que jamais permitiriam associar-se à responsável por uma devastação econômica inédita – na produção, no comércio, no trabalho, nas contas públicas; contudo, quanto desse colapso se deve aos erros crassos de gestão da própria Rousseff, e quanto se deve à megalomania de seu mestre?

Lula da Silva teve dois grandes acertos, duas sortes imensas – e muitos erros. Acertou ao manter inicialmente as bases de estabilidade econômica herdadas de FHC (metas de inflação, responsabilidade fiscal, reservas cambiais, por exemplo), mantendo na equipe econômica figuras com credibilidade perante os setores financeiro e empresarial. Mesmo a troca de Palocci por Mantega na Fazenda não alterou esse compromisso – aliás, assumido publicamente na campanha de 2002 com a chamada Carta ao Povo Brasileiro – pelo menos até 2009. Acertou também com sua política de aumentos sistemáticos do salário mínimo: a despeito de toda a propaganda (enganosa) em torno de suas várias medidas populistas (Bolsa-Família e quetais), foi esse o maior mecanismo concreto de elevação da renda dos mais pobres ao longo do período, e um elemento de dinamização do mercado interno, via emprego e via crédito, sem precedentes desde os anos JK. Teve sorte em governar durante uma década de bonança internacional – crédito abundante, mercados de commodities em expansão, abertura comercial – à qual se deve a maior parte do impulso para o crescimento econômico do período, com destaque para a China e suas importações de grãos, carnes e minérios. Teve sorte ainda com a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, cujas perspectivas de riqueza alavancaram setores inteiros e multiplicaram novos negócios e investimentos – e que provavelmente foram o início da tragédia que hoje vivemos.

Os erros de Lula da Silva no plano da economia, entretanto, superaram em muito esses acertos. Não somente os aumentos de arrecadação tornaram-se despesas correntes (ao invés de investimentos), como ainda se conseguiu a proeza de criar um déficit público anual da ordem de 10% do PIB – e uma expansão de 600% da dívida pública (apesar de alguns terem acreditado no logro de que a dívida fora paga…). Quase toda a riqueza gerada nesses anos acabaria perdida em obras faraônicas (e superfaturadas, e inacabadas, e muitas vezes inúteis, como os perdulários estádios da Copa de 2014 demonstram), no inchaço do funcionalismo público (cujo total mais que dobrou no período, e cujo ônus de privilégios estender-se-á por muitos anos), em programas populistas-eleitoreiros (como o ProUni, que consumiu bilhões em mensalidades de cursos superiores ruins para estudantes com formação básica precária – que raramente conseguem exercer as profissões para as quais obtiveram diplomas) ou em financiamentos com juros subsidiados para empresários pilantras (vide Eike Batista e os irmãos Joesley&Wesley, os casos mais famosos). Enquanto isso, não houve melhora significativa nem na educação básica, nem no sistema de saúde, nem no saneamento, nem na infraestrutura… Megalomanias de promessas e discursos triunfantes de euforias num sonho de futuro que acabou se tornando pesadelo. E (ainda mais grave) com retrocesso na elevação dos níveis de renda e na redução das desigualdades conforme a fatura desses delírios de grandeza se mostrou muito acima das capacidades de pagamento do país – que continua pobre e subdesenvolvido, apesar de todas as pretensões. Essa tragédia, certamente agravada pela manipulação das contas públicas (e pelas políticas retrógradas de protecionismos e favorecimentos a setores escolhidos) do governo de Dilma Rousseff, não tem apenas as digitais dessa última – ali estão, bem visíveis, as nove digitais de Lula da Silva.

Mas não é apenas no campo da economia que as críticas se aplicam. Na política, o mensalão foi apenas um símbolo do quão longe a prepotência desse messianismo de esquerda pode chegar. O esforço de cooptação (não de negociação) com os adversários políticos deu à corrupção dimensões imprevistas – mudando de escala, do varejo para o atacado, reinterpretando o lema do malufismo de um rouba mas faz para um rouba mas divide. Estimulou-se ao longo dos treze anos de Lula-Dilma a radicalização dos antagonismos de classe, enraizado na famigerada tese do nós contra eles – criando um clima de confrontação para além dos preconceitos óbvios e das desigualdades absurdas, de farisaísmos flagrantes diante das alianças espúrias celebradas nesse período. Sob o pretexto da ideologia (uma versão cabocla de os fins justificam os meios), o petismo converteu-se numa mera hipocrisia, um discurso que só convence os convertidos – o que nos leva às suas estratégias de campanha das últimas eleições. Sabendo que qualquer debate racional acabaria por diminui-los (defender o indefensável é tarefa assaz ingrata), Lula da Silva e seus comandados combinaram à sua fantasia grandiloquente de uma era de ouro lulista um discurso de ódio contra os adversários – José Serra em 2010, Marina Silva em 2014, Jair Bolsonaro em 2018. Ainda que este último se preste admiravelmente à posição de inimigo público, manter a discussão no campo das moralidades (a condenação de sua misoginia e quetais) é uma saída à francesa para evitar o debate sobre o que urge – a responsabilidade petista na grave crise que vivemos, e sua incapacidade em enfrentar e resolver essa situação. Mobilizar multidões com o famoso #elenão (demonizando o provável adversário num segundo turno e, logo, convertendo-se na suposta única opção possível) demonstra a eficiência da estratégia – que acaba não sendo percebida pela maioria. Espalhar falsas polêmicas – como uma mudança da legislação para definir que os salários das mulheres sejam sempre menores do que dos homens – mobiliza corações e gargantas, mesmo não sendo verdade; ainda que tais coisas fossem tentadas, teriam que passar pelo Congresso, pelo Judiciário – e pelas ruas e redes. Em nenhum momento, discutem-se projetos de nação ou de futuro; a campanha se faz em função das minorias, e em oposição à imbecilidade de Bolsonaro.

Essa constatação nos leva à questão final: por que uma vitória petista é tão perigosa à democracia quanto a de Bolsonaro? Ainda que não despertando histeria semelhante, Fernando Haddad já se comprometeu em alterar a Constituição, controlar a mídia, enquadrar o Judiciário e isolar os adversários – o que só pode parecer um script democrático para quem não seja do ramo. Nenhum dos dois aceita as regras de dissenso que caracterizam uma democracia – respeito à lei e às instituições, à negociação e à oposição. Nenhum dos dois entende a sociedade como um conjunto de disparidades e assimetrias; ambos pretendem impor uma homogeneidade em função de seus valores – que consideram universais. Ambos enxergam o mundo em termos messiânicos e maniqueístas (Lula da Silva chegou a definir-se não mais como pessoa, mas como ideia…). Ambos são totalitários; em condições normais, seriam casos psiquiátricos – mas, na dimensão política, ao mobilizarem multidões indignadas e fanáticas, ambos se tornam uma ameaça.

Espera-se que os eleitores sejam capazes de escapar às manipulações dos discursos – e que possam nos livrar da tragédia de um segundo turno definido pela escolha entre dois projetos de ditadura – diferentes entre si apenas pela ideologia. Poucas coisas poderiam ser mais cataclísmicas do que esse cenário que se desenha. Democracia exige responsabilidade e discernimento; tal não poderemos esperar nem de bolsonaristas nem de petistas. Isso caberá a nós. Que essa compreensão possa se fazer ao longo desses últimos dias. Afinal, um povo que se deixa reduzir a gado só tem futuro cortado em bifes.

Leandro Gonsales Ciccone
02.10.2018