DIREITA, VOLVER!

– Sobre Eleições (8) –

Naquele último domingo de outubro, diante das duas opções de perfil radical, os brasileiros escolheram mugir à direita; por uma margem de quase dez milhões de votos, Jair Bolsonaro foi eleito Presidente da República. Tentar explicar essa vitória é o primeiro desafio proposto. Nos textos seguintes, iremos analisar a montagem de seu governo, a nova configuração dos partidos (e do Congresso) e as principais agendas dos novos ocupantes do poder.

Comecemos pelas negativas. Ao contrário do que apregoou histericamente o petismo (e as esquerdas a ele associadas), não mergulhamos num regime fascista. Ao menos por hora, sequer o risco autoritário representado pelo novo presidente se materializou. Já são significativos os pontos a serem questionados (e mesmo condenados) no novo governo – mas nenhum sabá demoníaco ocorreu até aqui. Outra falácia foi a interpretação da derrota como resultado de uma “onda conservadora”, de um “retrocesso social”, que colocaria o país numa posição constrangedora diante dos supostos “avanços” alcançados nos últimos anos. Ora, esse conservadorismo não surgiu das urnas (nem das redes sociais); sempre esteve presente na sociedade brasileira – como, aliás, nas demais sociedades – e sempre foi majoritário. Foi por compreender isso que Lula da Silva buscou a cooptação dos partidos no Congresso via propina – e dos pobres via assistencialismo, e dos remediados via ProUni e afins. Só uma ínfima minoria – aquela classe média que Nelson Rodrigues classificaria como esquerda festiva – de fato incorpora o discurso militante como algo a ser levado a sério. Foi por reconhecer esse predomínio conservador que Dilma Roussef só se envolveu com as demandas dos ativistas (pautas como aborto, casamento gay, políticas de gênero e outros) durante as suas campanhas presidenciais; mesmo esbravejando sobre a ameaça que seus adversários representavam à autointitulada “agenda progressista”, não as fez avançar um milímetro durante seu fatídico governo.

No entanto, desde a redemocratização, essa maioria conservadora não havia encontrado uma expressão eleitoral própria; oscilara entre petistas e tucanos, e pautara os compromissos dos eventuais vencedores com as forças políticas de centro. Longe de um voto ideológico, essa maioria era o público a ser conquistado pelas estrelas circenses que se digladiaram no picadeiro. Como principal definidor de sua escolha – estopim do efeito manada que definiu todas as eleições entre 1994 e 2010 – sempre esteve a economia. Se o Plano Real garantiu a FHC duas vitórias no primeiro turno, foi a situação recessiva de 2001-2002 (combinada a um giro de 180 graus no discurso) que permitiu a vitória de Lula da Silva naquele ano. Da mesma maneira, a expansão econômica dessa década – alavancada pelo mercado externo e pelo crédito facilitado – assegurou sua reeleição em 2006 e a vitória de sua criatura em 2010. Contudo, 2014 seria outra história… Tendo vencido com enorme dificuldade nesse ano, já num cenário de crise, Dilma Rousseff não escaparia do impeachment em 2016.

Ao longo dessas duas décadas, todavia, uma agenda seguia em paralelo à economia. Seu aspecto mais visível era a questão da segurança pública. Contrariando o discurso de esquerda sobre a violência como resultado da miséria e da desigualdade, os índices de criminalidade dispararam nesse período – especialmente no Nordeste, principal beneficiário das políticas redistributivas dos governos petistas. Quando o total de homicídios chegou a 65 mil no ano de 2017 (número maior do que países em guerra civil), já era possível prever que essa questão se tornara uma prioridade inescapável – para a qual a esquerda, historicamente associada a uma perspectiva mais branda do sistema policial-judicial-prisional, focada na ressocialização (erroneamente definida como “política de direitos humanos”), não tem discurso nem apelo. Vistos como “fracos” diante da criminalidade, os políticos de esquerda associaram-se a uma perspectiva de vitimização do criminoso que agravou esse descompasso. Quem se aproveitou disso não foram os conservadores tradicionais, e sim essa direita troglodita que triunfou com Bolsonaro, alimentada durante anos pelos programas policialescos das tardes na TV.

A isso, soma-se uma mudança importante na correlação de forças sociais e políticas. Outros grupos de pressão – especialmente os evangélicos – ganharam inédita projeção, impondo discussões na contramão do discurso de esquerda da era petista, com pautas como “escola sem partido” e quetais. Ao mesmo tempo, sujeitos tradicionais – como sindicatos e outros autointitulados “movimentos sociais”, além da grande imprensa – viram seu protagonismo diminuir diante dessa nova realidade. Num contexto cada vez mais multifacetado, a reacomodação de interesses e privilégios escapa às definições anteriormente válidas.

Assim, a última eleição permitiu situações antes impensáveis. Grandes partidos enfraqueceram, enquanto outros saíram da irrelevância para os holofotes. Um candidato sem estrutura partidária nem tempo de propaganda oficial venceu com base nas redes sociais. Os níveis de ferocidade dos discursos – e de radicalização das posições – alcançaram patamares incivilizados. Se por um lado isso reflete um momento particularmente tenso da vida nacional (logo, algo episódico), por outro retrata uma conjuntura que se abre para o futuro. Reavaliações serão necessárias – tanto pelos analistas quanto pelos próprios protagonistas. Contudo, a maior estupidez seria tentar compreender o Brasil de 2018-2019 pela ótica da ameaça comunista dos anos 1960 (ou, ainda pior, da ameaça fascista dos anos 1930); adentramos numa temporada em que o próprio passado se tornou incerto.

Leandro Gonsales Ciccone

20.02.2019